Quantos serão os 'forasteiros' do ENEM?

16:12:00PET Educação UFMT

QUANTOS SERÃO OS ‘FORASTEIROS’ DO ENEM?
Prof. Dr. Darci Secchi*
Um dos assuntos mais complexos da atualidade é estabelecer critérios para definir a identidade e o pertencimento de segmentos sociais, políticos, étnicos ou culturais. Ou, dito de outra forma: ser ou não ser continua sendo um tema controverso...
Na literatura e na vida quotidiana, encontramos inúmeras expressões - pares opositivos como ‘nós daqui’ e ‘vocês de fora’ -, que procuram ordenar as relações entre as pessoas. Essas oposições binárias recebem denominações mais ou menos glamorosas, segundo as origens ou interesses dos respectivos autores. Cito, da memória antropológica, termos como os ‘out-siders’ versus os ‘estabelecidos’; ‘the strangers’ versus ‘the natives’; ‘colonizados’ versus ‘colonizadores’ e, em Cuiabá, a peculiar categoria dos ‘paus-rodados’ versus os ‘de chapa e cruz’.
Se pensarmos na diversidade dos estados nacionais, essa oposição torna-se ainda mais fluida, uma vez que cada país estabelece critérios próprios para definir o pertencimento dos cidadãos. No Brasil, por exemplo, é o nascimento que define a nacionalidade. Nasceu aqui, é brasileiro e ponto final! Em diversos países da Europa o critério é o inverso. Prioriza-se o sangue ao invés do local de nascimento: é italiano, alemão, austríaco, etc. quem carrega descendência ou ancestralidade, independente do local onde tenha nascido. Tal decisão assegura-lhes o direito a múltiplos pertencimentos e a múltiplas cidadanias. No hiato dessas lógicas, existem também os povos sem nenhum reconhecimento identitário específico (e, às vezes, até sem cidadania), que foram classificados segundo critérios arbitrários ou impostos, como ‘índios’, ‘ciganos’, ‘negros’ e tantos outros.
Trazendo essa reflexão para o âmbito da UFMT, com o intuito de determinar quantos ‘forasteiros’ foram matriculados neste ano, resta evidente a precariedade política, operacional e conceitual de tal propósito. Quais os critérios que seriam adotados para ‘classificá-los’? Seria o local de seu nascimento? A sua residência atual? O estado de nascimento de um dos pais? O estado emissor do seu RG? O seu endereço postal declarado? O domicílio residencial, comercial, eleitoral ou fiscal comprovado? O estado em que concluiu o ensino básico (útil para aferir a ‘qualidade do ensino’)? O do último ‘cursinho’ que freqüentou? Suas características físicas, nome de família, habilidade no rasqueado (!),ter comido cabeça de pacu com farofa de banana...
Como se vê, num estado com grande movimento migratório, esse modelo de classificação pode acabar numa rua sem saída. Por isso, retomo um argumento anterior que me pareceu bastante pragmático: Todos os estudantes são bem-vindos, sempre que trouxerem consigo o compromisso com a sua formação, com o poder público e com a sociedade que, em meio a tantas dificuldades, financia seus estudos na Universidade Pública.
Aos estudantes que não desejam assumir compromisso algum - sejam eles oriundos de onde forem - não creio que devamos festejá-los nos nossos Cursos. Se quiserem - como propõe a anedota - que se inscrevam em quimioterapia... Isso mesmo: que procurem um centro de oncologia e extirpem de uma vez por todas o câncer da indiferença, essa doença moderna que tanto fragiliza a Universidade e a sociedade. Você que me lê, pergunte-se: o que podemos esperar de um estudante ‘genérico’, predador de vaga, que se abriga na UFMT até passar a chuva, se submete a qualquer Curso e logo desaparece com o seu sumaríssimo “valeu bróde, vou vazá”?
Quando abrimos mão de escolher os nossos estudantes, abrimos mão do essencial! Jogamos fora uma parcela expressiva da nossa autonomia. Hoje nos impõem os estudantes, depois serão os professores, funcionários e, quiçá, (ironicamente) até os gestores que avalizaram tal temeridade.
Nossa missão institucional pode estar em risco e precisa ser resguardada. Comecemos, pois, retomando o direito de selecionar nossos estudantes.

Doutor em Ciências Sociais (Antropologia), professor do Instituto de Educação da UFMT.

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